A ascensão do ChatGPT pode levar à queda do Google?
Desde que a startup de pesquisa em Inteligência Artificial OpenAI lançou seu chatbot experimental, o ChatGPT, no fim de Novembro, ela ganhou o mundo rapidamente. O ChatGPT pode escrever ensaios que realmente parecem ser escritos por humanos, tão bons que algumas escolas já o baniram, criar poemas, dar conselhos sobre como ficar rico, escrever códigos, incluindo malware, explicar o mercado de ações para um aluno de 5º ano... Tudo isso de graça e sem anúncios.
Mas há também coisas que o ChatGPT (ainda) não consegue fazer: ele ainda falha ao resolver charadas (mas está melhorando), não sabe os horários dos seus trens, conta fatos históricos e geográficos de maneira errônea com a confidência de uma pessoa arrogante que pensa saber de tudo e, assim como este tipo de pessoa, às vezes dá conselhos injustificados em vez de responder diretamente à pergunta.
Para sermos justos, em sua página do sistema o ChatGPT avisa que pode “ocasionalmente produzir informações incorretas” e “ocasionalmente produzir informações perigosas ou conteúdo tendencioso.”
Ainda assim, apesar das limitações do ChatGPT, sua popularidade fez com que experts se perguntassem se trata de uma solução que mudará para sempre a indústria dos mecanismos de pesquisa e até mesmo representar um primeiro passo na queda da pesquisa do Google, o mecanismo de busca mais popular do mundo com 84% de dominância no mercado. Em comparação, o concorrente mais próximo do Google, o Microsoft Bing, tem apenas 9% de participação do mercado.
Fonte: Statista
Mas dizer que o império de pesquisa do Google está à beira de um colapso iminente seria um exagero. Os concorrentes, no entanto, estão agora mais fortes nesta batalha.
“O novo Bing”
Parte do motivo pelo qual a Microsoft lançou uma nova versão do Bing foi para que pudesse ser integrado com um “novo modelo de linguagem ampliada da OpenAI de última geração.” A Microsoft não deu um nome ao modelo, mas revelou ter sido desenvolvido especialmente para uso como mecanismo de pesquisa e ser uma melhoria com relação ao GPT-3.5, um modelo de linguagem ampliado sob o qual o ChatGPT foi construído. Diferente do ChatGPT, o novo Bing poderá responder perguntas com informações atualizadas. Além disso, ele vai citar todas as fontes de onde coleta informações. Isso não significa, no entanto, que a Microsoft esteja tentando se livrar do seu modelo tradicional de mecanismo de pesquisa: os usuários poderão alternar entre a barra de pesquisa familiar e a nova, com o chat box. A versão com chatbot do Bing está agora disponível através de uma lista de espera.
O fato de que o Bing se tornou o primeiro mecanismo de pesquisa baseado em IA não deveria surpreender ninguém: a Microsoft tem uma relação de proximidade muito grande com a OpenAI. A Microsoft investiu um bilhão de dólares na startup em 2019, e prometeu investir mais dez bilhões.
O Google construiu sua própria criptonita?
Ainda assim, é difícil prever quanto tempo o Google levará para perder sua dominância, isso se vier a perdê-la algum dia. O "Olá, Google" já está tão integrado em nosso imaginário que será difícil perder o hábito de utilizá-lo.
Nós perguntamos ao ChatGPT se ele acredita que sua ascensão será uma ameaça ao Google. A verdade é que ele não pensa ser o caso.
Mas a ameaça ao Google é real, e o gigante da tecnologia sabe disso melhor do que ninguém. O lançamento do ChatGPT levou a empresa a chamar um “alerta vermelho”, informou o New York Times. A rápida resposta do Google à ameaça é liderada pelo próprio CEO do Google Sundar Pinchai. Pichai inclusive pediu ajuda aos fundadores do Google, Larry Page e Sergey Brin, que “deram ideias de como adicionar mais funcionalidades dechatbox no mecanismo de pesquisa do Google.”
A julgar pela reação do Google ao ChatGPT, pode até parecer que a empresa dormiu durante todo esse período de desenvolvimento de IA, acordando em uma nova e assustadora realidade. Mas isso não é verdade: o Google é um mestre no desenvolvimento de IA e inclusive criou o seu próprio chatbot, um rival em potencial para o ChatGPT. O cahtbot do Google é baseado em LaMDA, uma abreviação para Language Model for Dialogue Applications (modelo de linguagem para aplicação em diálogos, em português). Este modelo foi apresentado pelo Google pela primeira vez em 2021.
Amostra de um diálogo LaMDA. Fonte: Google
Ao introduzir o LaMDA dois anos atrás, o Google disse que, como vários outros modelos de linguagem ampliada modernos, incluindo o GPT-3, ele foi construído no Transformer, uma arquitetura de rede neural a neural que o “Google Research inventou e disponibilizou em código aberto em 2017.”
Tchau, Google, olá, Bard?
Agora, o Google também quer entrar na onda da IA e, por mais que tenha ficado um pouco para trás, ele não perderá a chance de entrar nesta corrida. No começo de Fevereiro, o Google anunciou que vem “trabalhando em um serviço de IA conversacional experimental com base em LaMDA.” O Google chamou o serviço de Bard, disponível para um grupo de testadores selecionados, e planeja lançá-lo para mais pessoas “nas próximas semanas.”
Uma amostra de resposta do Bard. Fonte: Google
O Bard pode também começar a fazer parte da pesquisa. “Em breve, vocês verão funcionalidades com base em IA capazer de destilar informações complexas e múltiplas perspectivas em formatos fáceis de digerir,” escreveu Pinchai.
Isso tudo nos leva a perguntar por que o Google não focou tanto na implementação da IA, de modo que agora está sendo forçado a agir com pressa. Seria simplesmente uma crença de que seus concorrentes estavam muito atrasados? Ou o Google atrasou deliberadamente a decisão de integrar seus serviços com ferramentas alimentadas por AI porque tem medo de algo? Se sim, do quê?
Um problema em potencial: precisão
A precisão sempre tem sido um ponto fraco dos chatbots com base em IA e, apesar de todos as tentativas de melhoria, ainda é motivo de preocupação.
Basta ver o desastre que o chatbot Tay da Microsoft representou. Lançado em Março de 2016, o chatbot foi programado para aprender a partir de seus diálogos com os usuários do Twitter. Após apenas 24 hours, a Microsoft teve que tirá-lo do ar após as respostas do bot se tornarem mais e mais racistas e xenofóbicas. O Blender Bot 3 da Meta, lançado em agosto do ano passado, afirmou que Donald Trump era o presidente dos EUA e pareceu reproduzir opiniões antissemíticas. Outro chatbot da Meta, o Galactica, lançado em noverbro, não fez um trabalho muito melhor. Treinado com base em “106 bilhões de tokens de textos e dados científicos de acesso livre,” o bot deveria gerar artigos Wiki e resumir literatura científica. Em vez disso, ele criou artigos falsos e escreveu um artigo bem convincente sobre ursos no espaço.
Ao falar sobre o novo Bing, a Microsoft chamou atenção para o fato de que o seu chatbot “buscou manter as respostas divertidas e factuais… mas mesmo assim ele pode exibir respostas inesperadas ou resultados falsos baseados no conteúdo disponível na Web.” A Open AI, criadora do ChatGPT, também admitiu no passado que o seu chatbot às vezes escreve “respostas que parecem plausíveis, mas na verdade são incorretas ou sem sentido.”
Nós pedimos que o próprio ChatGPT compare seu próprio nível de precisão com o do Google. A reposta foi tipicamente diplomática. O ChatGPT disse que “pode ser que ele pode não ser sempre mais preciso” do que o Google quando se trata de “consultas complexas ou especializadas,” mas apontou para o fato de que tanto ele próprio, quanto o Google, têm “seus pontos fortes e pontos fracos.”
Um problema em potencial: (a falta de) anúncios
E por mais que a falta de precisão possa melhorar com o passar do tempo, há ainda outro problema que pode fazer com que o Google enteja sendo cauteloso com essa tecnologia.
“O Google pode estar relutante em utilizar esta nova tecnologia como substituição para a pesquisa online, já que ela não é ideal para a veiculação de anúncios digitais, os quais foram responsáveis por mais de 80% dos lucros da empresa no ano passado,” escreveu o New York Times. De fato, a publicidade e os anúncios de pesquisa em particular ocupam uma posição de destaque do Google. No terceiro trimestre de 2022, os ganhos do Google chegaram a 69,1 bilhões de dólares, dos quais 39,5 bilhões (ou 57.2%) vieram de anúncios de pesquisa.
Precisamos nos atentar ao fato de que o Google já está usando IA para exibir “trechos em destaque” ou respostas curtas e concisas para a sua consulta no topo de resultados de pesquisa orgânicos, logo abaixo dos anúncios. Até agora, no entanto, ele não passou disso.
Exemplo de trecho em destaque
E aqui está o motivo mais provável:
Vamos imaginar que o Google te ofereça uma resposta elaborada para qualquer dúvida que você tiver em algumas poucas sentenças claras no lugar de um compilado de links. Assim, sua exposição aos anúncios em potencial será diminuida drasticamente. A menos que você especifique o que está procurando (como, por exemplo, passagens aéreas ou lojas próximas a você), você não terá um incentivo para clicar em anúncios, e isso representa um lucro menor para o Google.
Existe também a possibilidade de que o Google adaptará a tecnologia para permitir que ela mostre anúncios, mas isso pode não pegar bem entre os usuários, especialmente se houver uma alternativa ad-free capaz de fazer o mesmo, como o ChatGPT. Mas o que é exatamente o ChatGPT?
O que é o ChatGPT?
Você já ouviu falar em ChatGPT, GPT-3, GPT-3.5, seja neste artigo ou em outros lugares. Assim, vamos olhar mais de perto para o que este nome significa e o que ele representa. O ChatGPT (GPT é uma abreviação de Generative Pre-trained Transformer) é um chatbot com base na série de modelos GPT-3.5 da OpenAI, uma versão melhoradada rede de deep learning neural GPT-3. A GPT-3 tem 175 bilhões de parâmetros de machine learning, ou valores, que a rede neural tenta otimizar durante o seu treinamento, tornando-a muito mais inteligente do que todos os seus predecessores. O GPT-3 foi treinado a partir de 570GB de dados filtrados CommonCrawl, dois compilados de livros da Internet, páginas Web de alta qualidade compiladas de links do Reddit e da Wikipedia em inglês.
A série GPT-3.5 é um avanço se comparada à GPT-3 porque inclui o modelo text-davinci-003 que permite uma escrita melhor e o processamento de instruções mais complexas. O GPT-4 deve ser ainda mais poderoso e supostamente muito maior.
O ChatGPT usa uma moderação API com base em IA para bloquear conteúdo malicioso ou ilegal e rejeitar pedidos inapropriados. No entanto, esta é uma faca de dois gumes. A OpenAI admite que o modelo está sujeito a falsos negativos e positivos, o que implica que consultas completamente legais podem ser marcadas como ilegais e vice-versa.
O ChatGPT poderá substituir mecanismos de pesquisa tradicionais?
O ChatGPT colocou a indústria dos mecanismo de busca em alerta. Com seu potencial de revolucionar a maneira como pensamos sobre programação, marketing e aprendizado, ele pode revolucionar o mercado da pesquisa, que há muito tempo está sob a liderança do Google.
As preocupações relacionadas a ferramentas alimentadas por IA que fornecem informações falsas sob o pretexto de autoridade permanecem. E ainda não vimos como a tão esperada integração do Bing com um modelo GPT vai funcionar.
A reação do Google à ascensão do ChatGPT mostra que ele vê os chatbots alimentados por IA como um desafio, e potencialmente, uma ameaça a seu império de busca. Para evitar ficar atrás de seus rivais, o Google tem agora poucas opções, a não ser agilizar o desenvolvimento e integração das tecnologias de IA em seu próprio mecanismo de busca. Como resultado, o Google pode perder parte de sua receita com publicidade. Entretanto, seria ingênuo pensar que o gigante da tecnologia não vai procurar maneiras de aliar os anúncios a estas novas tecnologias.
No que diz respeito ao ChatGPT, ou a qualquer tecnologia parecida, e o seu potencial de substituir os mecanismos de pesquisa tradicionais, nós fizemos esta pergunta ao próprio ChatGPT. O veredito? Dificilmente. Mas isso está muito longe de um “não, jamais.”
Mas ao menos uma coisa ficou clara nisso tudo: esta corrida pela dominância dos mecanismos de pesquisa ficou muito mais acirrada.