Novos termos da Apple na UE: aceitar e perder dinheiro ou rejeitar e ficar na mesma?
O ecossistema da Apple sempre foi considerado fechado devido a todas as restrições impostas aos desenvolvedores de aplicativos e usuários. Os desenvolvedores não tiveram escolha, a não ser deixar os seus aplicativos na App Storeб mesmo com todas as desvantagens, se quisessem instalações vindas de usuários de iOS. E mais: se quisessem que os usuários realizassem uma compra, o pagamento deveria ser processado através do próprio mecanismo da Apple, sujeito à taxa de 30% de compras dentro de aplicativos (ou 15% para pequenos negócios).
Um sistema assim tão fechado não torna apenas a vida dos desenvolvedores mais difícil, mas também a dos usuários, que encontram uma variedade bem menor de aplicativos e opções de download do no Android, já que o Google sempre permitiu o uso de lojas de aplicativos alternativas.
Mas esta situação está prestes a mudar graças a uma futura lei antitruste da União Europeia, conhecida como Digital Markets Act (DMA). Em setembro de 2023, a App Store, o sistema operacional iOS e o navegador Safari, todos de posse da Apple, receberam o status de gatekeeper pela DMA. Como resultado, até 6 de março de 2024, a empresa de Cupertino terá que se abrir aos concorrentes ou enfrentar a pesada multa de 10% de sua receita global total.
Com a data se aproximando, a Apple fez um plano para a adequação ao DMA. Após uma análise atenta de todos os pontos deste plano, fica claro que a Apple quer se adequar à lei no papel, mas não na prática. O que a Apple oferece aos desenvolvedores é uma falsa escolha: concordar com os limites impostos pelo ecossistema do iOS ou explorar métodos de pagamento e lojas de aplicativos alternativas e assumir o risco de falir no processo.
O que há de errado com os novos termos da Apple na Europa?
O dilema encarado pelos desenvolvedores agora é o seguinte: eles podem ficar na App Store e se submeter aos termos de uso atuais, ou então adotar a nova Core Technology Fee (CTF), que pode custar uma fortuna. Mas, antes de analisarmos melhor o CTF e os seus efeitos para os desenvolvedores (especialmente em aplicativos grátis, ou grátis com funcionalidades premium), listaremos brevemente outras partes do plano de adaptação ao DMA da Apple.
Captura de tela: a Apple dá duas opções aos desenvolvedores da União Europeia: manter-se na situação atual ou lidar com as más notícias. Fonte: Apple
No plano, a Apple afirma que aplicará uma “comissão reduzida” para as compras dentro de aplicativos. Os desenvolvedores do programa de pequenos empreendedores da Apple pagarão uma taxa de 10% em vez de 15%, independentemente do método de pagamento escolhido. Os demais pagarão uma taxa de 17% em vez da comissão padrão atual de 30%. Se os desenvolvedores optarem por continuar usando a Apple para o processamento do pagamento, eles pagarão uma tarifa adicional de 3%. Mas, se decidirem deixar a Apple de lado e mudar para um método de pagamento alternativo ou redirecionar os usuários para o seu próprio website, não será preciso pagar nenhuma tarifa adicional à Apple.
Até agora está tudo bem, né?
O problema surge quando chegamos na terceira parte do plano, a Core Technology Fee, que coloca um ponto final nas boas notícias. Na verdade, ela faz com que essas novidades todas sejam uma má notícia. A Core Technology Fee (CTF) é a taxa a ser aplicada apenas aos aplicativos de iOS cujos desenvolvedores aceitarem os novos termos. Ela será válida tanto para os aplicativos distribuídos na App Store, quanto para os aplicativos distribuídos em lojas de aplicativos alternativas, ou “marketplaces”, segundo a Apple.
Esta taxa será cobrada dos desenvolvedores que chegarem a 1 milhão de instalações anuais nos últimos 12 meses. Eles terão que pagar um taxa de €0,50 à Apple para cada usuário além de 1° milhão que instalar o aplicativo pela primeira vez em um ano. Após o fim destes 12 meses, os desenvolvedores terão que pagar a taxa novamente. Mas não são apenas as instalações que contam: o termo de desenvolvedores afirma que “atualizações de aplicativos,” por exemplo, também contam como novas instalações “se derem início a um novo período de 12 meses.”
Os apps de marketplaces alternativos terão que lidar com regras ainda piores diante das novas regras da Apple. Os desenvolvedores que criarem e distribuírem a sua própria loja de aplicativos para os apps iOS na União Europeia terão que pagar €0,50 como CTF da Apple para cada usuário que instalar o seu aplicativo pela primeira vez em um ano, mesmo que isso aconteça antes de o aplicativo atingir a faixa de 1 milhão de instalações totais.
Adote o DMA e vá à falência: o que o CTF implica na prática
Os únicos apps com mais de 1 milhão de downloads em um ano capazes de pagar esta taxa são os apps pagos. No entanto, quando se trata de aplicativos gratuitos que ganham dinheiro a partir de anúncios, ou de aplicativos gratuitos com funcionalidades premium pagas, o pagamento da taxa é impraticável.
Não é nem preciso dizer que o plano da Apple não ganhou o coração dos desenvolvedores. O Spotify não ficou calado, chamando o CTF de “extorsão, sem tirar nem pôr.”
O Spotify, com sua resposta ácida, aponta para o fato de que o novo plano da Apple coloca os desenvolvedores de de aplicativos gratuitos em uma posição vulnerável: “Quanto um desenvolvedor terá que pagar à Apple se o seu app viralizar? Milhões e milhões de pessoas instalam o aplicativo gratuitamente e, de repente, o desenvolvedor passa a ter uma dívida milionária com a Apple?” De fato, se um desenvolvedor de um app gratuito ou freemium tomar a terrível decisão de aceitar os novos termos na UE em eventualmente vir o seu aplicativo ganhando muita popularidade, celebrar não seria uma opção. Tudo o que passaria pela cabeça dos desenvolvedores seriam dúvidas sobre como pagar à Apple tudo o que passarão a dever. Além disso, como apontado pelo Spotify, nada impede que a Apple aumente estas taxas sempre que quiserem.
A Apple, no entanto, não escondeu o quanto os seus novos termos podem ser punitivos para alguns desenvolvedores. Qualquer um pode estimar quanto pagarão por mês à Apple se quiserem adotar o plano de ajuste ao DMA através de sua calculadora de taxas. Vamos imaginar que um jogo gratuito chamou a atenção de vários usuários e tornou-se moderadamente um viral, atingindo 2 milhões de instalações na União Europeia em 12 meses. Seguindo os novos termos, os seus desenvolvedores pagariam à Apple US$45290 por mês, enquanto, de acordo com os antigos termos, ele não pagaria nada. A escolha é um tanto quanto óbvia, e não faz sentido nenhum, na nossa opinião.
O que a Apple está fazendo é tentar desencorajar os desenvolvedores a migrar para os novos termos, que daria mais liberdade de escolha quanto à distribuição e opções de pagamento dos apps. A empresa está apostando na possibilidade de que poucos vão querer arriscar ficar no vermelho se o seu aplicativo tiver um pico de popularidade.
Assim, por mais que a Apple permita lojas de aplicativos alternativas na teoria, a prática é bem diferente, refletindo uma Core Technology Fee proibitiva que bloqueia o caminho para que desenvolvedores de aplicativos gratuitos ou freemium façam parte de lojas alternativas. No caso do AdGuard, nós aproveitar essa possibilidade simplesmente não é uma opção, pois não temos recursos suficientes para pagar a Core Technology Fee, e não somos os únicos. A única opção seria tornar o aplicativo 100% pago, e nós não temos nenhuma intenção de fazer algo do tipo.
Os órgãos reguladores da União Europeia aceitarão os novos termos?
Ainda não está claro se as mudanças da Apple voltadas para a adaptação ao DMA serão aceitas pelo órgão reguladores da União Europeia. Como apontado pelo TechCrunch, o artigo 6(12) do DMA afirma que “o monopolista deve aplicar condições gerais que sejam justas, razoáveis e não discriminatórias para os usuários de suas lojas de aplicativos, mecanismo de busca online e serviços de redes sociais.” A Core Technology Fee é justa? Nós achamos que não, e não somos os únicos.
O plano da Apple para adaptar-se ao DMA é uma tentativa de distorcer as novas leis e tirar vantagem delas, pressionando os usuários a seguir nos termos antigos. Ao import a Core Technology Fee em apps que excederem um certo limite de downloads, a Apple está penalizando desenvolvedores que querem buscar soluções alternativas de distribuição e explorar outras opções de pagamento. Isso é uma ilusão de escolha, um tapa na cara da real liberdade e da competição justa no setor digital. Esperamos que os órgãos reguladores da União Europeia não sejam enganados pelas alterações cosméticas da Apple e insistam para que o DMA seja implementado de maneira a beneficiar verdadeiramente os consumidores e desenvolvedores.