A ascensão do BeReal e do Mastodon é a prova de que as pessoas estão cansadas das redes sociais tradicionais
Uma década atrás, o Instagram resumia sua missão em uma frase: “Capturar e compartilhar momentos do mundo todo”. E, no começo, os usuários de fato compartilhavam parte de seus dias, sem edição, com seus amigos, familiares e com o mundo. Nós postávamos fotos de nossas comidas, nossos pets, selfies e, de vez em quando, cliques de nossas férias... E não passava muito disso. Além de alguns poucos filtros (e algumas molduras terríveis), não havia muitas outras ferramentas dentro do app para gerar conteúdo, nem muito incentivo para isso.
A versão sem anúncios do antigo Instagram transmitia uma sensação muito mais autêntica do que o que vemos hoje: um espaço dominado por anúncios populado por marcas e influencers duvidosos vendendo produtos variados e disseminando expectativas pouco realistas através de fotos com edição excessiva. A Gen-Z não chegou a experienciar o Instagram antes que se tornasse uma máquina de dinheiro regida pelo Meta. Mas ainda assim, a geração está em busca da autenticidade perdida, e aparentemente a encontrou no BeReal, a nova sensação da Internet.
"Não se trata de só mais uma rede social"
O BeReal, um app de rede social que vem ganhando espaço rapidamente entre os jovens, alcançou mais de 53 milhões de downloads na App Store e no Google Play no último mês. Desenvolvido por Alexis Barreyat e Kévin Perreau e lançado em 2020, o aplicativo saiu de uma relativa obscuridade para estrela das redes sociais neste ano. O número de usuários ativos mensal viu um aumento de 2254% desde janeiro, com aproximadamente 500.000 novos usuários aderindo à plataforma todos os dias. Em outubro, o número de usuários ativos chegou a 20 milhões por dia.
O BeReal descreve a si mesmo como uma plataforma anti-Instagram sem filtros, ou seja, exatamente o que o Instagram se propôs a ser um dia. O app promove a simplicidade e a autenticidade do momento de uma forma simples: o usuário não tem escolha a não ser postar fotos de si mesmos sem edição.
Os usuários da plataforma recebem uma notificação por dia para postar em um horário aleatório, ajustado de acordo com o fuso horário. Após receber a notificação, você tem 2 minutos para tirar a foto. O app fará a captura pela câmera traseira e frontal ao mesmo tempo, e a selfie aparecerá automaticamente no canto esquerdo da imagem principal (também é possível usar a selfie como imagem principal). Se você não tirar a foto a tempo, é possível fazer isso depois. No entanto, o app mostrará exatamente o seu tempo de atraso no topo de seu post. Você pode refazer o click quantas vezes quiser ao longo da janela de 2 minutos, mas seus amigos verão o seu número de tentativas. Se a imagem final não ficar boa o suficiente, você pode deletá-la, mas esta ação é limitada a apenas uma vez ao dia.
Por mais que a plataforma não seja tão flexível, o BeReal representa uma retomada de fôlego diante de todo o conteúdo ao qual somos expostos o tempo todo. Trata-se de uma alternativa bem-vinda ao Instagram, com seus anúncios pagos e posts sugeridos pelo algorítimo bombardeando os usuários e dominando o feed, tornando a experiência de navegação terrível. Se você ainda está usando o app, é provável que você se identifique.
Abraçando a privacidade e fugindo de anúncios
Diferentemente do Instagram, em que o seu perfil é marcado como público por padrão (a menos que você seja menos de idade), tudo o que você posta no BeReal é privado. Mesmo que você marque o seu perfil como público, outros usuários poderão ver apenas a sua última foto. Todas as suas outras postagens serão arquivadas na aba "Memories" e somente ficarão visíveis para você. Esta funcionalidade faz com que seja praticamente impossível que alguém se torne um influencer no BeReal.
O BeReal sabe que não é a plataforma mais adequada para aqueles que procuram os holofotes e se orgulha disso: “O BeReal não te fará famoso. Se você quiser se tornar um influencer, é melhor ficar no TikTok e no Instagram,” afirma a empresa. A rede social também descobriu uma forma bem interessante para evitar assédio e spam na plataforma: você pode comentar nos posts dos seus amigos, mas apenas com um “RealMoji”, a versão dos emojis dentro da plataforma que requer uma foto sua imitando o emoji escolhido.
O app oferece ainda a funcionalidade “Maps”, que permite aos usuários localizar seus amigos e compartilhar sua localização com eles. O BeReal afirma, no entanto, que esta funcionalidade não permite, “de maneira alguma”, que o app rastreie os usuários em tempo real. Muito pelo contrário, o app se posiciona contra anúncios e rastreamento. “Como sua privacidade é muito importante para o BeReal, saiba que nós jamais venderemos seus dados nem os usuaremos de alguma forma sobre a qual você não será informado”, afirma o app em seus Termos de Serviço (ToS).
Além disso, os Termos de Serviço do BeReal proíbem expressamente o uso do app para “publicação ou transmissão de anúncios, solicitações comerciais, spam, 'chain letters', 'esquemas de pirâmide', ou para coletar informações, dados ou conteúdo sobre outros usuários sem a sua permissão." A lista resume não apenas quase tudo o que afasta as pessoas das redes sociais tradicionais hoje em dia, mas também as ferramentas que estas plataformas utilizam para ganhar dinheiro. A principal fonte de lucro do Instagram e do TikTok é a publicidade. Isso levanta a questão: como o BeReal planeja sobreviver sem seguir os passos de outras plataformas?
A questão da monetização
Até agora, o crescimento meteórico do app foi financiado por investidores. Em Junho de 2021, o BeReal conseguiu 30 milhões de dólares em investimento Série A de investidores americanos. No começo deste ano, a startup complerou o round da série B, atraindo outros 60 milhões. Isso fez com que o valor da empresa chegasse a 600 milhões de euros. Não é preciso dizer que investidores não estão distribuindo milhões de dólares por mera diversão, mas esperam recuperar parte de seu dinheiro e ainda lucrar. Embora o BeReal não tenha anunciado nada, há especulação de que esteja considerando um modelo Freemium.
Citando fontes próximas à startup, o Financial Times reportou no mês passado que o BeReal estava considerando introduzir funcionalidades pagas, mantendo gratuita a funcionalidade básica de compartilhamento de fotos. No entanto, os desenvolvedores agora estão focados em solucionar os efeitos colaterais do crescimento exponecial do app, mais especificamente, os bugs. Não se espera que o BeReal lance nenhuma funcionalidade paga até ao menos a metade do ano que vem, de acordo com o Times.
Não há como prever se o BeReal repetirá o destino do Clubhouse, com sua rápida ascensão e rápido declínio, ou se ele de fato chegou para ficar no universo das redes sociais. O que sabemos de fato é que ele chamou a atenção das redes sociais tradicionais, que lançaram cópias de algumas de suas funcionalidades. No meio do ano, o Instagram lançou o recurso Dual Camera para Reels, criado para que usuários possam gravar sua reação a vídeos. O aplicativo do Meta também vem testando o recurso Candid Challenges, praticamente um “clone” do BeReal. A funcionalidade é uma cópia completa do funcionalidade principal do BeReal e estimula os usuários a tirarem uma foto 2 minutos apís receberem uma notificação, que chega em um horário diferente todos os dias.
Em setembro, o TikTok lançou sua própria tentativa de copiar o BeReal, chamada TikTok Now. A funcionalidade permite que os usuários façam um vídeo de 10 segundos ou uma foto em uma janela de 3 minutos quando solicitado. O Snapchat também se demonstrou interessado em surfar no hype do BeReal e lançou a sua própria funcionalidade Dual Camera em Agosto, mas sem fazer com que os usuários tirem uma foto em algum momento específico.
No entanto, a adoção da funcionalidade do BeReal por parte dos gigantes das redes sociais não parece ter feito com que a base de usuários do aplicativo em ascensão diminuisse, muito pelo contrário: ela continua a crescer. O problema com as redes sociais não é que a geração Z está em busca de novos recursos, mas sim algo muito mais profundo. Por mais que a nova geração não tenha entrado em contato com nada diferente do que existe hoje, ela está cansada do falso glamour das redes sociais comerciais, com seus feeds repletos de anúncios e culto de influencers falsos alimentado pelo algorítimo. A migração para plataformas alternativas não acaba com o BeReal. Outro exemplo, embora em uma escala muito menos, é o app Mastodon, parecido com o Twitter.
Mastodon: um Twitter descentralizado?
O sucesso do BeReal não está relacionado à ação específica de um concorrente mas, obviamente, este não é o caso quando falamos sobre a popularidade da rede social Mastodon, que estourou após o drama do Twitter. Encarando a incerteza diante da plataforma, os usuários do Twitter buscaram alternativas. O Mastodon, lançado inicialmente em 2016, conta com um design muito parecido ao da plataforma do passarinho e tornou-se o condidato perfeito para ocupar o seu espaço.
Desde 27 de Outubro, quando Musk fechou negócio com o Twitter, a plataforma alemã Mastodon ganhou 1 milhão de usuários e 1.124 novos servidores, de acordo com o seu fundador e CEO Eugen Rochko. É importante ressaltar que contar o número de usuários do Mastodon não é uma tarefa fácil, já que se trata de uma rede social descentralizada. De acordo com a CNET, ela agora conta com cerca de 6,3 milhões de usuários espalhados em seus inúmeros servidores.
Ao comentar sobre o crescimento da Mastodon, Rochko afirmaou que se trata de “uma ótima oportunidade para que as pessoas finalmente entendam que as redes sociais podem ser diferentes, que elas não precisam ser um protocolo sob controle de uma única empresa”. A Mastodon atualmente não conta com anúncios pagos (diferentemente do Twitter), mas já permite que os usuários editem seus posts (diferente do Twitter, que disponibilizou a funcionalidade apenas para os assinantes do Twitter Blue). Os apps oficiais da Mastodon estão disponíveis para iOS e Android.
A crença de que uma plataforma de rede social não precisa ser controlada por uma uma entidade com poder absoluto sobre os seus membros está no cerne da Mastodon. E, por mais que esta estrutura traga vantagens, ela também representa desafios. Os vários servidores, ou “instâncias” da Mastodon têm suas próprias regras e políticas. Como demonstrado por um dos reportes da CNET, é preciso seguir vários passos para encontrar alguém, começar a seguir ou simplesmente curtir um post de outro servidor. Em alguns casos, você terá que digitar seu nome de usuário manualmente para isso. Quer dizer, isso se você conseguir entrar em algum servidor, já que alguns deles pararam de aceitar novos usuários em meio à nova onda. Não é preciso dizer que a experiência na Mastodon não parece ser muito user-friendly até o momento. Por mais que o conceito seja interessante, ela é mais voltada ao público nerd com interesses específicos, e não ao público geral.
Quanto à monetização, o Mastodon argumenta que uma plataforma descentralizada não precisa necessariamente de muito dinheiro. “Monetização normalmente implica em anúncios e em alterar o website para que as pessoas vejam mais anúncios, invadindo a privacidade dos usuários,” argumenta a empresa.
Mas o dinheiro ainda é necessário. A Mastodon revelou que recebeu a modesta quantia de 8.900 euros, oferecida por um fundo alemão de financiamento governamental em 2021, e mais 45.000 euros da ONG Discovery Fund, estabelecida com a ajuda financeira da comissão da União Europeia. A Mastodon é apoiada mais fortemente pela comunidade, que doa via Patreon e Stripe.
Este novo modelo de redes sociais substituirá o antigo?
A ascensão do BeReal e do Mastodon é consequência direta do desprezo das pessoas, principalmente dos mais jovens, pelas redes sociais tradicionais e os seus modelos de lucro baseados em publicidade. Resta agora saber se estes novos sites cairão na obscuridade novamente, se tornarão um app de nicho ou crescerão até se tornar concorrentes à altura dos gigantes das redes sociais. De qualquer forma, o crescimento na popularidade destas plataformas revelou uma tendência à busca por mais autenticidade, privacidade, controle sobre os dados pessoais e menos anúncios.
Pessoalmente, nós defendemos a visão de que a Internet deve ser livre de anúncios ou distrações e percebemos que mais e mais usuários a cada dia também defendem esta ideia. É por isso que nós os ajudamos a limpar o seu espaço online. No fim das contas, não importa muito se você passou a usar platafromas de redes sociais alternativas ou se ainda está usando as antigas. De qualquer forma, você tem as ferramentas necessárias para deixar a sua experiência online melhor. Se você usa um bloqueador de anúncios ou filtragem DNS, você já está fazendo a diferença ao tirar um pouco dos lucros das grandes corporações, desafiando-as a criar modelos de monetização que não dependam da venda de dados e do bombardeamento por anúncios.