Ameaça à privacidade: sites pornográficos exigem o ID de estadounidenses
Desde janeiro deste ano, pessoas vivendo no estado da Louisiana, nos Estados Unidos, tiveram que passar por um processo complexo para acessar a maioria dos sites pornográficos mais populares. Os sites agora recebem os moradores do estado com um aviso de que devem passar por um processo de verificação de idade antes de prosseguir. A lei, que requer que os sites pornográficos assegurem-se de que seus visitantes não são menores de idade, é parte da agenda republicana e tem como objetivo impedir que crianças tenham acesso prematuro a este tipo de conteúdo.
O único efeito visível desta lei até agora foi um pico de downloads de um aplicativo oficial do governo que gera uma cópia digital da carteira de habilitação, aceita como um equivalente legal do ID físico no estado. Downloads diários do aplicativo LA Wallet triplicaram param 5.000 por dia no começo deste ano. Isso tudo por causa das peculiaridades desta lei, que força os usuários a revelarem sua identidade a revelar sua real identidade se estiverem em busca de entretenimento adulto.
Quais estados implementaram a lei?
A lei exige que sites com uma “quantidade substancial” (ou seja, 33,1% ou mais) de conteúdo pornográfico comprovem a idade de seus visitantes através de um método de verificação de idade “confiável”. Isso pode incluir forçá-los a mostrar um ID digital ou pedindo que “passem por um sistema de verificação de idade comercial.” Este sistema pode pedir que os visitantes apresentem um documento de identificação emitido pelo governo, ou pode ser “qualquer método confiável que se baseie em dados transacionais públicos ou privados para verificar a idade da pessoa.” A lei sugere que os sites podem optar pelo método de verificação de idade que desejarem. No entanto, todos os sites que já implementaram a lei até agora estão exigindo que os usuários apresentem seus IDs.
Pelo menos três sites pornôs populares, o Pornhub, o Redtube e o Youporn, estão agora pedindo aos seus usuários com IPs da Louisiana que verifiquem sua idade com o AllpassTrust, um site de verificação de terceiros que funciona com a LA Wallet.
O primeiro passo para o usuário seria criar uma conta através do AllpassTrust. Logo depois, eles recebem um “login universal” que pode ser usado para acessar sites pornográficos.
Qualquer site ou plataforma de terceiros que verifique a idade dos usuários está proibido de reter qualquer tipo de informação após o acesso ao site ter sido permitido. A lei também afirma que qualquer serviço que “deliberadamente” retenha este tipo de informação poderá sofrer penalidades.
O objetivo dos legisladores de proteger as crianças de conteúdos nocivos é positivo, mas os meios que eles escolheram podem custar aos adultos sua privacidade e expor seus segredos mais íntimos. Apesar das garantias de que os serviços de verificação de terceiros não compartilharão as informações pessoais dos visitantes com ninguém, isso não significa que isso não acontecerá na prática, seja deliberadamente ou devido a falhas técnicas e humanas.
O que pode dar errado?
Apenas pensar em revelar sua identidade ao acessar conteúdo NSFW é de arrepiar. E não de uma forma positiva. A lei quebra a promessa, por mais falsa que seja, de anonimato online, e você não pode deixar de se perguntar o que acontecerá se esses dados caírem em mãos erradas.
Quanto mais pessoas tiverem acesso a algum tipo de informação, maior o risco de que ela seja usada de forma inadequada, sob risco de ser compartilhada ou vazada. Além destes riscos, há ainda a possibilidade de que estes dados caiam nas mãos do governo sob um pretexto perfeitamente legítimo. Por exemplo, a política de privacidade do AllTrustPass afirma não compartilhar informações pessoais com terceiros ou permitir que tenham acesso a elas, a não ser por provedores de terceiros, como provedor de um domínio ou a polícia. As informações que a AllTrustPass pode coletar incluem endereços de email e senhas (armazenados como hash), status da idade, dados técnicos (como endereço de IP, que também pode ficar em hash), dados de cookies (incluindo cookies do Google Analytics) e localização aproximada. Pode não ser muita coisa, mas é suficiente para te deixar inseguro.
Também nos resta ver que outros intermediários serão usados pelos demais sites adultos ao verificar a idade dos usuários quando (e se!) decidirem aplicar a lei. E, assim, mais uma vez entramos em território desconhecido.
Riscos de fraude
Apenas dois meses após a lei ter entrado em vigor, ainda não está claro quais sites irão acatá-la. Até agora, fica a critério dos próprios sites determinar se são ou não uma página pornográfica e, assim, adotar algum sistema de verificação. A lei faz uma exceção para sites de notícias, emissoras de interesse público e organizações de coleta de notícias. Entretanto, não está claro se fóruns públicos como o Reddit, que têm um grande número de subredits NSFW, se enquadram em seu escopo. O fato de que os critérios para o que constitui um site com conteúdo prejudicial para crianças ainda estejam obscuros apenas dificulta esta situação. Por exemplo, como medir que 33,1% do conteúdo do site é pornográfico? E se for 29%?
Os golpistas podem explorar esta incerteza e criar clones de sites pornográficos que enganam os usuários para que estes forneçam suas informações pessoais ou mesmo cópias de seus documentos de identidade. Dependendo do tipo de dado que o site falso consegue obter de um usuário, os golpistas podem roubar seu dinheiro ou fazer um empréstimo em seu nome. Como não são muitos os sites pornográficos que apresentam um design elaborado ou de alguma forma distinto (o web design não é o que se presta atenção quando se navega por eles), imitar sua interface é uma tarefa fácil até mesmo para os fraudadores menos experientes.
Há também a possibilidade de que sites pornográficos possam se aproveitar desta situação para coletar dados dos usuários e vendê-los, por exemplo, para corretores de dados, que podem então repassá-los a anunciantes. A indústria pornográfica sempre foi uma área cinzenta quando se trata de leis, cheia de personagens sombrios e, portanto, não se pode esperar muita integridade ali. E, mesmo que os proprietários de sites não quebrem intencionalmente a lei, ninguém está a salvo de erros, especialmente quando se trata de algo novo.
Mais estados podem aprovar leis similares
Louisiana foi o primeiro estado dos EUA a aprovar a lei requerindo que os sites pornográficos verificassem a idade de seus visitantes, mas provavelmente não será o último. Órgãos legisladores em mais de 12 outros estados dos EUA introduziram ou planejaram introduzir uma lei exigindo que sites adultos verificassem a idade de seus espectadores. Sete estados, incluindo a Flórida, Virgínia e Dakota do Sul, introduziram o que foi descrito como uma versão copiada do tratado de Louisiana.
Faz sentido que a Louisiana seja a piorneira, dado seu papel pioneiro na digitalização nos EUA. Em 2018, a Louisiana tornou-se o primeiro estado americano a permitir que as agências de aplicação da lei aceitassem uma carteira de motorista em formato digital.
Leis de verificação da idade como a da Louisiana poderiam colocar em risco a privacidade de muitos adultos se mais estados as adotassem. As questões que ficam são: este é um preço justo a se pagar para garantir a segurança das crianças? A lei realmente deixaria as crianças mais seguras? Respondê-las é um tanto complexo.
Agradar a todos será uma tarefa difícil
As leis de verificação de idade podem respresentar um desastre no que se refere à privacidade, especialmente se não for implementada da forma como deve (e isso é um risco real). Mas isso não quer dizer que o acesso de crianças não seja um problema real que precisa ser contido. Uma pesquisa recente sugeriu que a maioria das crianças tem acesso a conteúdo adulto pela primeira vez antes mesmo dos 13 anos. Ainda mais preocupante é o fato de que 58% das crianças reportaram ter visto pornografia sem ter a inteção de o fazer, apenas se deparando acidentalmente com esse tipo de conteúdo online. Estudos sugerem que a exposição precoce à pornogradia tem efeitos negativos na mente de uma criança, como uma visão distorcida da sexualidade e de si mesma.
Medir os prós e os contras das leis restringindo o acesso a conteúdo pornográfico será uma questão de equilíbrio. Isso significa que os órgãos reguladores não deveriam tomar decisões tão extremas ao tratar de um assunto tão sensível e multifacetado. Esperamos que o nobre desejo de protejer crianças não afete adultos inocentes e cumpridores da lei.
Estes adultos que se sentirem prejudicados podem fugir das restrições e preservar sua privacidade de maneira simples e efetiva, através do uso de uma VPN. Mas esta não é a única maneira. Para mais dicas sobre como acessar o PornHub e sites similares mesmo que eles estejam bloqueados em sua região, veja nosso guia.