Musk comprou o Twitter e isso gerou um caos. Ele conseguirá recuperar a ordem?
Alguns pensaram que este dia jamais chegaria, mas chegou: no dia 27 de outubro, o bilionário e empreendedor Elon Musk oficialmente fechou um acordo com o Twitter, adquirindo a rede social por 44 bilhões de dólares. Musk assumiu o trono de forma verdadeiramente dramática, demitindo todos os diretores do Twitter e tomando a posição de diretor e CEO para si mesmo (ao que parece, temporariamente).
Após tornar-se o todo poderoso do Twitter, Musk revelou o seu plano de mudar o modelo de monetização da plataforma, adotando assinaturas premium. Quase 90% do lucro do Twitter vem atualmente de anúncios, e a forte depedência de ganhos com publicidade da plataforma, junto da presença generalizada de bots de spam sempre estiveram entre as principais reclamações de Musk.
Obrigados a lidar com o irreversível reinado de Musk, os tuiteiros instauraram o caos. Alguns usuários chegaram a prever cenários terríveis em que o Twitter viria a se tornar um “um poço de ódio e malícia”, livre de qualquer forma de regulamentação, e acusaram Musk de tentar transformar a rede social em “uma máquina de engolir dinheiro.”
Após Musk ter dados os primeiros passos rumo ao novo Twitter, apenas o tempo poderá dizer se a plataforma irá ganhar vida ou acabará de vez. Ele próprio declarou ter adicionado o Twitter ao seu longo portifólio de aquisições que não visam ao lucro, mas uma “tentativa de ajudar a humanidade” e que ele não exclui a possibilidade de falhar nesta missão. De acordo com o empreendedor, esta é uma “possibilidade real”.
Ainda assim, a visão de Musk para o futuro do Twitter como um serviço freemium é válida. No entanto, há muitas variáveis que precisam ser levadas em conta antes de apostar no sucesso da plataforma.
Afastando-se do modelo de monetização baseado em anúncios
Elon Musk vem falando sobre como ele mudaria drasticamente o Twitter mesmo antes de comprar a empresa. Mas, até agora, a única proposta sobre a qual ele deu detalhes específicos foi o plano de afastar o Twitter do modelo de monetização focado em publicidade.
Em uma série de tweets de 1º de novembro, Musk apontou uma injustiça no sistema de verificação do Twitter. “O sistema atual de príncipes e plebeus definindo quem pode ou não ter uma marquinha azul é uma merda,” escreveu o bilionário.
Para abrir a verificação para todos os usuários, Musk sugeriu fazer com que o selo de verificação se torne parte da assinatura paga Twitter Blue. Lançada em junho passado, a assinatura Twitter Blue está disponível até agora nos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Os assinantes pagam uma tarifa mensal ajustada para cada região. Nos EUA, o preço é 4.99 dólares por mês.
Até agora, o Twitter exige que uma conta seja “autêntica,” “notável,” e “ativa” para que ela seja verificada. A alocação do símbolo de verificação e a sua remoção fica a critério do Twitter. Esta prática já gerou controvérsias no passado: em 2016, a rede social removeu o status de verificação da conta da personalidade de direita Milo Yiannopoulos, alimentando o debate sobre censura na plataforma.
Bom negócio ou caro demais?
Embora o Twitter Blue tenha sido lançado há mais de um ano, os lucros provindos da tentativa de diversificar o modelo de monetização da rede social trouxe fracos resultados. A Sensor Tower estimou que o Twitter Blue gerou apenas 6,4 milhões de dólares até agora, um grão de areia perto do oceano de ganhos anuais da empresa, que chegou a 5,08 bilhões de dólares em 2021. Agora, Elon Musk quer, aparentemente, fazer com que o Twitter Blue seja um serviço que valha o seu custo. A questão é se ele terá sucesso ou fará com que o Twitter fracasse.
O Twitter Blue atualmente oferece várias funcionalidades úteis, mas mesmo assim fracassou em conquistar o seu espaço entre os usuários. Os assinantes já podem salvar tweets, cancelar a postagem de um tweet até 60 segundos depois de enviá-lo, ler threads longas em uma única página de texto, customizar a barra de navegação e ganhar acesso instantâneo aos artigos mais compartilhados das pessoas que seguem. Mais recentemente, o Twitter Blue passou a permitir que os assinantes da Austrália, Canadá e Nova Zelândia editem tweets até 5 vezes nos primeiros 30 minutos após a postagem.
Musk propôs aumentar a tarifa do Twitter Blue de 4,5 para 8 dólares por mês nos EUA, mas também mencionou funcionalidades adicionais que podem dar uma nova cara ao serviço pago.
Além do selo azul, os assinantes terão prioridade nas respostas, menções e pesquisas. Eles também poderão postar vídeos e áudios mais longos, além de ganhar acesso a conteúdo de parceiros do Twitter protegido por paywall.
De acordo com estimativas diferentes, há algo entre 300 e 400 mil contas verificadas no Twitter. No segundo quadrimestre de 2022, o Twitter declarou ter 237 milhões de usuários monetizáveis por dia. Não está claro quantos deles estarão de acordo com a visão de Musk e estarão dispostos a pagar por ela.
De acordo com o plano de Musk, figuras públicas ainda serão facilmente reconhecíveis mesmo que elas não paguem pela assinatura. O Twitter adicionaria uma “tag secundária” abaixo de seus nomes, “o que já ocorre com políticos,” de acordo com Musk. Aparentemente, o CEO da plataforma se referiu aos selos para contas governamentais e ligadas ao Estado introduzidos pelo Twitter em 2020.
Menos anúncios para os assinantes
Uma das funcionalidade mais atrativas para o usuário médio é, talvez, que os assinantes terão menos distrações. Mais especificamente, eles verão “menos da metade dos anúncios” que veem agora.
Alguns podem considerar isso uma verdadeira decepção vinda de alguém que já afirmou “odiar publicidade.”. Em uma thread de Abril que já foi deletada, Musk propôs essencialmente o mesmo modelo, mas sugeriu que quem assinasse o Twitter Blue não visse anúncio nenhum.
“O poder das corporações para ditar políticas é significativamente maior se o Twitter depender do dinheiro de publicidade para sobreviver,” tuitou Musk na época.
Até agora, no entanto, os usuários do Twitter Blue estão sendo bombardeados com a mesma quantidade de ads do que os não assinantes. Então, a decisão de Musk pode ser vista como um passo no rumo certo.
De acordo com Musk, o novo modelo pode garantir que o Twitter “livre-se de golpes e spam na plataforma”, além de oferecer um “fluxo de lucro que recompense os criadores de conteúdo.”
A publicidade não vai desaparecer, muito menos a moderação de conteúdo
Após ascender ao trono do Twitter, Musk mudou sua visão com relação aos anunciantes. No mesmo dia em que o negócio foi fechado, Musk postou no Twitter uma mensagem aos anunciantes entitulada "Caros anunciantes do Twitter.”
“Muito se especulou sobre as razões pelas quais eu comprei o Twitter e sobre a minha opinião sobre publicidade. A maioria destas especulações estava errada,” Musk escreveu. O bilionário, conhecido como um defensor da liberdade de expressão, acrescentou que, por mais que ele queira que a plataforma seja atrativa para todos, ela não estará completamente livre de moderação. “O Twitter obviamente não pode se tornar um espaço livre para que qualquer um diga qualquer coisa sem consequência alguma!”
Musk, então, deixou claro que anunciantes ficarão na plataforma, mas deixou implícito que as regras para a forma como eles conduzem os seus negócios pode mudar. “É essencial mostrar aos usuários do Twitter anúncios que sejam o mais relevantes quanto possível para as suas necessidades. Anúncios de baixa relevância nada mais são do que spam, mas publicidade de alta relevância é, na verdade, conteúdo!” continuou a escrever o empreendedor.
O post não revelou nenhum detalhe sobre o futuro da publicidade no Twitter. Musk disse que ele quer fazer da rede social “a plataforma de anúncios mais respeitada no mundo” e, a julgar pela sua retórica anterior, é improvável que mais dados pessoais sejam coletados sem o consentimento do usuário. Com sorte, será exatamente o contrário.
Ao mesmo tempo, empresas como a montadora GM (que, a propósito, é concorrente na Tesla), decidiram suspender sua publicidade no Twitter. Não se sabe exatamente quantos anunciantes decidirão manter-se na plataforma quando a poeira abaixar.
O que esperar?
Agora, resta ver se Musk manterá as várias propostas feitas por ele antes de assumir o controle do Twitter. Uma delas é introduzir criptografia de ponta a ponta na DM do Twitter, como no app de troca de mensagens Signal, focado em privacidade. Outra consiste em transformar os algorítmos do Twitter em código aberto. Se o bilionário colocar em prática essas ideias, o Twitter se tornará mais privado e seguro.
No entanto, considerando-se que Musk, independentemente do sucesso que atingiu com as suas outras empresas, é muito imprevisível, é difícil advinhar o que sairá como resultado de sua aposta no Twitter.
Mas a transição entre um modelo de lucros fundado na privacidade e um modelo de assinatura paga é também uma transição para um Internet com mais privacidade. Se os lucros do Twitter não dependerem mais de privacidade, as grandes corporações terão menos controle sob a empresa e o Twitter, menos incentivos para vender os dados dos usuários.
O sucesso do modelo e a sua forma final ainda existe apenas no âmbito da especulação. Agora, pode ser que a sorte não esteja ao lado de Musk, mas ninguém se torna o homem mais rico do mundo à toa. Tudo vai depender de como Musk vai usar o apelo de seu marketing pessoal para vender o Twitter Blue para os usuários, quando ele vai adicionar novos recursos e se ele vai levar em consideração o feedback dos usuários. Por enquanto, tudo ainda fica no ar. Por exemplo, não está claro o que “menos de metade dos anúncios” significa exatamente, e se todas as novas funcionalidades propostas serão o suficiente para convencer os usuários a pagar por uma assinatura.
Quanto ao preço, 8 dólares é menos do que o custo de um copo de café em algumas redes. A questão é se Musk fará com este preço valha a pena.