O Google quer acabar com a liberdade na web sob justificativa de torná-la mais segura
É preciso aceitar a verdade: o Google nunca foi fã do bloqueio de anúncios, a empresa iniciou a sua primeira batalha contra ele há 10 anos. Isso incluiu uma expulsão em massa dos bloqueadores de anúncios da Google Play Store em 2013-2014, alterações nas políticas de desenvolvedores tendo os bloqueadores de anúncios como alvo em 2016 e, mais recentemente, o Google lançou um ban dos usuários de bloqueadores de anúncios em sua plataforma YouTube.
O motivo para tudo isso não se resume ao fato de que o Google é o criador do navegador mais popular do mundo, o Chrome, e de uma longa lista de outros serviços usados diariamente por bilhões de usuários. Mas, acima de tudo, o Google é um gigante da tecnologia de anúncios e seus lucros com publicidade online chegam a 80% de seus ganhos totais.
A proposta do Google
Agora, em vez de tentar banir os bloqueadores de anúncios de maneira direta, o Google adotou uma estratégia mais discreta. Um grupo de engenheiros do Google propôs uma API chamada Web Environment Integrity. Em teoria, seu objetivo seria deixar a internet mais segura ao permitir que sites verifiquem os dispositivos e apps que os visitam, assegurando que sejam legítimos sem facilitar o fingerprinting ou infringir a privacidade dos usuários.
Em resumo, com a Web Environment Integrity API, os sites que você visita podem pedir que um terceiro, chamado "attester", prove que o seu dispositivo e o seu aplicativo sejam reais e confiáveis. Para isso, o attester envia um código especial chamado token, que descreve o seu dispositivo para o site em modo de “baixa entropia”, ou seja, apenas com as informações mais básicas. O site então “inspeciona” a carga útil dos tokens para ver se há quaisquer problemas de segurança ou se o seu código foi modificado. Além disso, o site pode pedir mais informações sobre o seu dispositivo ao attester (“sinais de baixa entropia”), como por exemplo a frequência com que você o utiliza.
Um esquema de verificação de integridade na web proposto por engenheiros do Google. Fonte: GitHub
No que se refere a quem pode ser um attester, a proposta afirma que ele “vem do” sistema operacional, supostamente feito por um desenvolvedor ou distribuidor, mas ainda não dá para ter certeza. Eles também afirmaram que os sistemas operacionais podem usar o mesmo attester. Assim, em teoria, ele seria o Google ou o próprio Windows.
Quais são os riscos para os bloqueadores de anúncios e outros aplicativos?
Quando você visita um site, o seu navegador ou extensão pode modificar o código para proteger a sua privacidade. Por exemplo, o DuckDuckGo e o AdGuard modificam o código para impedir que websites te rastreiem ou te mostrem anúncios. A extensão de navegador do AdGuard, por exemplo, pode mudar o código de um site para bloquear anúncios, rastreadores, spyware, adware e scripts de banimentos de bloqueadores de anúncios, dependendo da sua configuração.
Então o que acontece se os sites tiverem como arma a WEI API? Eles poderão detectar se o DuckDuckGo, AdGuard ou qualquer outro navegador, app ou plug-in de que eles não gostem estão sendo executados, podendo assim bloquear o seu acesso ao seu conteúdo. Na verdade, a implementação desta API pode não ameaçar apenas as ferramentas de proteção de privacidade, mas também os gerenciadores de aplicativos, ferramentas de tradução, players de vídeo e, em geral, qualquer ferramenta que cujo recurso envolva a mudança do layout de um website. Isso pode transformar uma grande parte da internet em um ambiente fechado e controlado, acessível apenas para certas aplicações da “lista branca”. Isso é motivo para preocupação.
Os engenheiros afirmam que não querem “forçar ou interferir com a funcionalidade do navegador, incluindo de plugins e extensões,” mas é difícil ter certeza disso, já que nós não somos os únicos a perceber que há algo de errado nisso tudo. Será que o plano do Google não seria acabar com os bloqueadores de anúncios e outros aplicativos que desafiam a sua autoridade? Acreditamos que existe uma boa chance de que isso seja verdade.
Um ataque mortal à liberdade na internet?
Se a API proposta for amplamente adotada e o Google conseguir colocar em prática a sua implementação em navegadores baseados em Chromium, isso poderia representar o fim da internet como a conhecemos hoje. No pior dos casos, você somente conseguiria acessar um site usando um dispositivo específico e um navegador com configurações aprovadas pelas Big Tech.
Alguns podem até dizer que está não é a proposta do Google, mas representa apenas quatro engenheiros agindo de forma independente. Por mais que isso seja tecnicamente verdade, ficaríamos muito surpresos se o Google, o gigante da tecnologia publicitária, não estivesse por trás disso.
O Chrome é a força dominante na indústria dos navegadores com mais de 60% do mercado, e pode parecer que nada pode parar os planos do Google, independentemente de quais sejam. No entanto, desistir desta luta não é o melhor caminho. O mundo precisa saber sobre a ameaça que algo assim poderia representar para a arquitetura da web. O mínimo que podemos fazer é chamar atenção para esta questão de modo que mais pessoas entendam o que está acontecendo e possam se posicionar contra ações futuras.
Em uma escala mais ampla, as autoridades dos EUA e especialmente da União Europeia já mostraram ter o poder e os meios de regular empresas de tecnologia para que não haja nenhum tipo de abuso de poder. A futura Digital Markets Act (DMA) é um exemplo desta tendência. Então há um pouco de esperança de que esta proposta do Google jamais será implementada.
O que você pode fazer neste momento para impedir que vários aplicativos, plugins e extensões úteis desapareçam aos poucos é compartilhar esta notícia em suas redes sociais e deixar seu comentário. Quanto mais barulho fizermos, maior a chance de que eles deixarão isso tudo de lado.