Leis de identificação em redes sociais: um desastre iminente para os americanos?
O Arkansas acabou de se tornar o segundo estado dos Estados Unidos, após Utah, a aprovar uma lei de verificação de idade em redes sociais, exigindo que este tipo de plataforma comprove a idade de novos usuários. No entanto, enquanto a lei em Utah apenas entrará em vigor em 2024, no Arkansas ela entrará em vigor já em Setembro. A lei visa proteger as crianças dos males das redes sociais, mas afetará todos os usuários independentemente da idade, já que a verificação ocorrerá para todo mundo.
Com vários outros estados como Ohio, Minnesota e Connecticut desenvolvendo leis similares, vamos olhar mais de perto para o Arkansas Social Media Safety Act, uma lei pioneira cuja implementação pode servir de precendente para outras.
Sites pornô, redes sociais... o que mais vem por aí?
A lei do Arkansas, assinada pela governadora Sarah Huckabbee Sanders em 12 de abril de 2023, correga uma enorme semelhança com a "lei da pornografia" do estado de Louisiana, que exige que sites adultos implementem um sistema de verificação de idade para evitar o acesso de menores de 18 anos. Para saber mais sobre esta lei e suas implicações para a privacidade, veja nosso artigo.
No entanto, por mais que haja um consenso de que crianças não devem assistir pornografia ou outros tipos de conteúdo NSFW, a questão não é tão simples quando se trata de redes sociais. Há argumentos tanto contra, quanto a favor do uso de redes sociais por adolescentes. Assim, diferentemente da lei de Louisiana, a "lei das redes sociais" do Arkansas apresenta mais nuances. No caso desta última, para acessar uma rede social no estado, é preciso comprovar a sua idade ou obter a permissão de seus pais, se você for menor de idade. Para isso, é preciso entrar em um sistema de verificação de idade que determina quem pode usar as plataformas livremente, quem precisa da aprovação dos pais e quem não pode acessá-las de forma alguma.
A lei prevê punições para as plataformas de redes sociais que não façam esta verificação de idade. Elas podem pagar multas de 2.500 dólares para cada violação, além de pagar por qualquer mal que tenha causado por deixar que menores acessem estes sites sem a aprovação de seus pais. Considerando que existem vários estudos que ligam o uso excessivo de redes sociais com um risco elevado de suicídio, não implementa essa lei representa um risco muito grande.
Este sistema de verificação precisará ser oferecido por terceiros que fariam um "método de verificação de idade confiável". Isso inclui a exigência de envio de versões digitalizadas de documentos de identidade, como a carteira de motorista ou documento oficial emitido pelo governo, ou o uso de “qualquer método confiável de verificação de idade comercial.”
Esta parte da lei do Arkansas copia quase perfeitamente o texto da "lei da pornografia" da Louisiana. Esta última já está em vigor e, por isso, podemos perceber seus primeiros efeitos. Até agora, todos os sites pornográficos implementaram um sistema de verificação que pede que os usuários demonstrem uma cópia digital do documento de identidade ou da carteira de motorista. Se as redes sociais tomarem o mesmo caminho, isso significa que um menor de idade precisaria fazer um ID apenas para usar o Instagram, sempre na versão digital. O mesmo vale para adultos com versões não digitais de seus documentos que queiram entrar em alguma rede social.
A que sites esta lei será aplicada?
É importante ressaltar que a lei do Arkansas não se aplica a todas as redes sociais. Plataformas menores com lucro menor que 100 milhões de dólares por ano não serão afetadas e algumas entidades que poderiam ser consideradas plataformas sociais serão deixadas de lado. Por exemplo, uma empresa que “ofereça exclusivamente jogos interativos, virtuais ou um serviço online que permita a criação e o upload de conteúdo voltados a jogos online” está isenta da lei. Isso significa que empresas que oferecem jogos online, como Fortnite ou Roblox, não precisarão de um sistema de verificação de idade. O mesmo vale para empresas que oferecem armazenamento em nuvem e obtêm menos de 25% de seu lucro de redes sociais. Isso isentaria o YouTube, de posse do Google, de adaptar-se à lei, embora ainda haja certa confusão com relação a isso. E ainda, se uma plataforma for voltada para o desenvolvimento profissional e de networking, como é o caso do LinkedIn, a lei também não será aplicada a ela.
A sensação é que os criadores desta lei já tinham certas redes sociais em mente ao redigir o seu texto, e eles sequer estão tentanto manter seus alvos em segredo. Um dos apoiadores da lei, o senador Tyler Dees, disse que o objetivo é “empoderar pais e proteger as crianças das redes sociais como o Facebook, o Instagram, o TikTok e o Snapchat”.
A lei se aplicaria apenas a usuários que quiserem criar uma conta em redes sociais após 1 de setembro de 2023. As contas já existentes não serão afetadas.
Roubo de identidade: o perigo oculto desta lei
Com a lei em vigor, tanto um site de rede social quanto terceiros estarão proibidos de reter informações de identidade dos usuários após a concessão do acesso. Se for descoberto que esta informação foi armazenada “deliberadamente”, pode have punição.
No entanto, não podemos desconsiderar a possibilidade de que algumas redes sociais ou serviços de terceiros podem acidental ou intencionalmente reter informações dcom potencial de identificação e até mesmo lucrar com isso. Não faltam exemplos de práticas de coleta de dados duvidosas por parte de redes sociais. O Snapchat afirmava que precisava do número de telefone dos usuários apenas para ajudá-los a encontrar amigos no aplicativo, quando na verdade estava coletando informações de todos os contatos do usuário. O Facebook e o Twitter afirmaram que coletam os números de telefone dos usuários apenas por razões de segurança, quando na verdade os estavam utilizando para publicidade direcionada. Estes são apenas alguns casos de mau uso de dados. Eles também podem ser vazados como resuldado de uma invasão de hackers.
Embora a lei tenha passado com facilidade no legislativo do Arkansas, ela enfrentou a oposição de alguns nomes preocupados com o maior risco de roubo de identidade dos usuários. O senador republicano do Arkansas Ricky Hill foi um deles. Ele defendeu que a lei seria pouco efetiva no que se refere a impedir que menores de idade usem redes sociais e apenas deixaria as pessoas mais vulneráveis ao roubo de identidade. Ele disse: “Não importa o que façamos, não conseguiremos impedir [que menores de idade acessem redes sociais]. Nós estamos criando uma lei que não mudará nada, a não ser deixar nossos dados mais susceptíveis ao roubo.”
Preocupações parecidas também impediram a criação do "Instagram Kids", uma versão da rede social voltada para crianças de 10-12. Este era um projeto da Meta (ainda Facebook na época) para que crianças pudessem criar uma conta no Instagram, pensada para ser um paraíso seguro sem anúncios para que as crianças pudessem manter contato com seus amigos. Mas a proposta recebeu críticas massivas de pais, legisladores e do governo. Um grupo de 44 advogados dos Estados Unidos pediram que o Facebook colocasse um fim no projeto devido ao “histórico [da empresa] de falhar ao proteger a segurança e privacidade das crianças na plataforma, mesmo com políticas de privacidade estritas.” A Meta congelou o projeto em setembro de 2021 e não voltou a trabalhar nele.
No fim das contas
Da mesma forma que outras leis que apenas se aplicam a um estado ou país específico ou, em outras palavras, a uma região geográfica limitada, será fácil burlar estas restrições através do uso de uma VPN.
Por mais que o sucesso desta lei ainda não seja certo, é preciso considerar que nem todos os usuários de redes sociais entendem de tecnologia. Há pessoas que não conhecem ferramentas de proteção de privacidade, como uma VPN, e podem ser forçadas a compartilhar suas informações pessoais com gigantes das redes sociais e com a empresa contratada para realizar a verificação de idade. Considerando o histórico destas plataformas, existe um alto risco de que estes dados serão vazados ou mal utilizados.
A forma como essa lei de verificação de idade será implementada no Arkansas pode definir o futuro das redes sociais em outros estados. Por isso, este pode ser um momento chave na forma como os usuários se relacionam com as redes sociais.
Quando se trata de proteger as crianças do lado obscuro das redes sociais, não somos a favor de políticas que possam representar um grande risco à privacidade e, ao mesmo tempo, benefícios questionáveis. É verdade que nós, como adultos, temos a responsabilidade de proteger nossas crianças dos efeitos perigosos das redes sociais, mas há outras formas de fazer isso. Por exemplo, podemos conversar com as crianças sobre essas plataformas e orientá-las sobre os seus riscos e benefícios (sem, é claro, mostrar apenas o lado ruim) e sobre como fazer um bom uso das configurações de privacidade disponíveis. O essencial é sermos abertos com as crianças, já que é provável que elas consigam burlar qualquer restrição com seus conhecimentos de tecnologia.