Como os carros te monitoram: as revelações mais chocantes do relatório da Mozilla
Nós amamos a Mozilla, de verdade. Desde pela implementação da restritiva API de extensões Manifest V3 do Google de forma favorável aos bloqueadores de anúncios até o fortalecimento de suas próprias proteções antirrastreamento, a criadora do Firefox contribui muito pelo mundo digital. Mas talvez sua maior contribuição para a privacidade, que inclusive passa um pouco despercebida, seja o trabalho educacional e de entretenimento que realiza. Na recente pesquisa "Privacy not included", a Mozilla analisou os fabricantes de veículos de ponta da extensa indústria moderna. E o que ela descobriu foi nada mais, nada menos que chocante.
Estudamos o relatório e queremos compartilhar com você as descobertas mais surpreendentes e provocadoras (na nossa opinião) da Mozilla. Mas antes de mergulharmos nisso, vamos dar um passo para trás e relembrar como as empresas automobilísticas coletam os dados dos usuários.
Muitos pontos de acesso, pouco controle
Em primeiro lugar, os fabricantes coletam seus dados quando você interage diretamente com o carro, como ao virar o volante, usar os freios ou abaixar os vidros. Quanto mais eletrônicos, câmeras e sensores o seu carro tiver, mais informações ele pode coletar sobre você ou o ambiente ao seu redor.
Por exemplo, se você deseja aproveitar a tecnologia de direção assistida, esteja preparado para ser monitorado por uma câmera voltada para o motorista que garante que você mantenha os olhos na estrada e registra sabe-se lá o que no processo. Se você deseja dar comandos de voz ao seu carro, aceite o fato de que ele gravará sua fala (e não apenas quando você dá comandos ao seu carro, mas também enquanto espera que você diga uma "palavra de ativação"). Além de seus movimentos e biometria, os fabricantes podem coletar informações sobre você por meio do aplicativo do seu carro, serviços conectados (GPS e similares), sistemas de entretenimento e, por extensão, do seu telefone. Por exemplo, foi descoberto anteriormente que os computadores dos sistemas de entretenimento coletavam dados dos smartphones dos motoristas se eles os conectassem via Bluetooth ou cabo. Por fim, as montadoras podem obter informações sobre você de terceiros, como corretores de dados, redes sociais e revendedores de carros.
Dado tudo isso, talvez não seja surpresa que a Mozilla tenha classificado os carros modernos em último lugar em termos de privacidade entre todos os produtos que já revisaram, incluindo aplicativos.
Provavelmente não há outro produto que possa coletar tantas informações sobre o que você faz, para onde vai, o que diz e até mesmo como movimenta seu corpo (seus gestos) como o seu carro.
Recomendamos fortemente que você leia o estudo da Mozilla na íntegra, ele não é apenas esclarecedor, mas também divertido. Os pesquisadores passaram 600 horas analisando as políticas de privacidade de 25 fabricantes de automóveis e descobriram que nenhum deles atendeu aos requisitos mínimos de privacidade. Portanto, se você é motorista, recomendamos dar uma olhada, especialmente se possui um destes:
Nissan, Dacia, BMW, Subaru, FIAT, Jeep, Chrysler, Dodge, Volkswagen, Toyota, Lexus, Ford, Lincoln, Audi, Mercedes-Benz, Honda, Acura, Kia, Chevrolet, Buick, General Motors, Cadillac, Hyundai, Nissan ou Tesla.
Você não vai acreditar até ver
Para este artigo, selecionamos os exemplos mais ultrajantes, divertidos e surpreendentes do relatório da Mozilla. Portanto, aqui estão os melhores trechos, na nossa opinião:
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Nenhuma das empresas automobilísticas examinadas pela Mozilla, conseguiu confirmar se todas as informações pessoais armazenadas em seus carros são criptografadas ou não.
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Ao entrar em um Subaru como passageiro, você concorda que a empresa pode compartilhar e vender suas informações pessoais, incluindo para fins de “detecção e prevenção de atividades criminosas.”
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A Tesla avisa que, se você optar por interromper a coleta de dados do veículo ou outros dados do seu veículo, isso pode resultar em “funcionalidade reduzida, danos graves ou inoperabilidade.” Em outras palavras, se você optar por não permitir a coleta de dados pela Tesla, seu carro se transformará em um peso morto.
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A Nissan, obtendo a pior colocação entre todas as empresas automobilísticas analisadas pela Mozilla, pode coletar informações sobre sua atividade sexual, diagnóstico de saúde e informações genéticas. Além disso, usando os dados coletados sobre você, pode criar um perfil detalhado que refletiria suas “tendências psicológicas, predisposições, comportamento, atitudes, inteligência, habilidades e aptidões.”
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E não ficando atrás da Nissan, a Kia coleta informações sobre seu “material genético” e “vida sexual”... além de informações sobre sua “condição médica, deficiência física ou mental,” “origem racial ou étnica” e “crenças religiosas ou filosóficas”. Para completar, parece que a fabricante de automóveis também pode coletar “o conteúdo de determinados e-mails e mensagens de texto.”
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A Hyundai coleta dados sobre “estado de deficiência,” “cidadania” e também “informações médicas.” Também pode coletar... “informações olfativas” ou informações relacionadas ao sentido do olfato. Intrigado? Nós também. Além disso, a montadora sul-coreana afirma que irá atender a “solicitações de aplicação da lei, formais ou informais”. “Ei, você poderia me fornecer os dados desse carro, por favorzinho?” Aparentemente, isso é o suficiente para acessar os dados do seu veículo.
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E mais uma sobre a Nissan: de acordo com os Termos de Serviço da fabricante, como proprietário de um Nissan, você “promete educar e informar todos os usuários e ocupantes de seu Veículo sobre os Serviços e recursos do sistema NissanConnect e suas limitações e dos termos do Contrato,” incluindo a coleta de dados. Portanto, não apenas seus dados pessoais, mas também os de seus passageiros podem ser coletados e potencialmente compartilhados ou vendidos.
Se você acha que esses são casos isolados e que a maioria das marcas de carros é muito mais amigável com a privacidade, ou pelo menos não tão desafiadora das expectativas razoáveis de privacidade, a Mozilla tem más notícias para você. Na verdade, a grande maioria dos fabricantes de automóveis parece não se importar com a sua privacidade. Aqui estão algumas das conclusões do relatório que sustentam essa sombria conclusão:
- 84% das marcas de carros revisadas pela Mozilla declaram que podem compartilhar seus dados pessoais.
- 76% afirmam abertamente que podem vender seus dados pessoais.
- 56% estão prontas para compartilhar informações do usuário com o governo e as autoridades policiais mediante solicitação.
- 92% das marcas de carros revisadas não concedem a todos os motoristas o direito de excluir seus dados (as únicas duas marcas que permitem isso estão disponíveis exclusivamente na União Europeia, onde o rigoroso Regulamento Geral de Proteção de Dados está em vigor).
Os pesquisadores concluíram que “aplicativos de namoro e brinquedos sexuais publicam informações de segurança mais detalhadas do que os carros.” E, após ler todo o relatório... bem, brinquedos sexuais, especialmente alguns excêntricos de origens questionáveis, podem ser ruins, mas os carros modernos ainda conseguem vencer essa competição duvidosa por uma pequena margem.
Se você não está pronto para mergulhar diretamente no (bastante extenso) relatório da Mozilla, mas deseja saber mais sobre o curioso caso dos carros modernos e as armadilhas que esperam por seus motoristas, estamos aqui para ajudar.
A questão é que os carros modernos não são apenas um pesadelo para a privacidade, mas também estão se transformando em um inferno de assinaturas. Os fabricantes de automóveis sonham em colocar o maior número possível de recursos em troca de um pagamento mensal ou anual (com a opção de aumentar a taxa de assinatura a qualquer momento). Às vezes, essa abordagem gera problemas, como a recente decisão da BMW de eliminar a assinatura mensal de US$ 18 para aquecimento dos bancos (aleluia!). No entanto, às vezes a assinatura fica até mais cara.
Para uma análise mais aprofundada sobre o modelo baseado em assinaturas para carros e os seus temidos resultados, confira nosso artigo. Para mais insights sobre o futuro da indústria automobilística, confira nosso outro artigo sobre a Ford, que (aparentemente) deseja que os carros sejam capazes de dirigir para longe de você e, às vezes, até mesmo se autoliquidar se você não pagar o seu financiamento.
Para desafiar as práticas questionáveis de privacidade das empresas automobilísticas e suas inovações duvidosas, e para evitar que essa distopia se torne realidade, primeiro precisamos estar cientes do que está acontecendo na indústria automobilística. Precisamos entender quais são as implicações para nossos dados, segurança e liberdade.
Por mais que já estejamos acostumados com sites coletando informações sobre nossas personas online e sabemos como minimizar nossa pegada digital (mais ou menos), a coleta de dados por carros ainda é amplamente desconhecida em relação à privacidade. Muitos proprietários de carros e seus passageiros não têm a menor ideia sobre o quanto os fabricantes de automóveis coletam e vendem dados. Portanto, o primeiro passo que precisamos dar é nos educar, assim como aos nossos amigos e familiares, sobre o lado sujo da indústria automobilística moderna orientada por sensores. Também precisamos garantir que nossas vozes sejam ouvidas pelos fabricantes de automóveis e pelo governo.
Se você não gosta de como as empresas automobilísticas estão lidando com seus dados, considere assinar a petição da Mozilla pedindo que os fabricantes de carros respeitem a privacidade do cliente. Você pode dizer que é apenas um grão de areia na praia, mas este é um caso em que cada grãozinho conta.